F***-se Markl, é 2024!

Quase não sigo “figuras públicas” nacionais no Instagram. Deixei-me de coleccionar cromos faz tempo, mas o Nuno Markl era dos poucos que andava pelo meu feed.

Esta semana, o meu algoritmo desencantou um dos seus posts recentes. Era um screenshot do Middle East Eye com um foto de uma mulher palestiniana em Gaza num cenário de absoluta destruição acompanhada de um título “I saw a woman and her children in the fire and couldn’t help”. Fiquei logo curiosa em saber em que buraco Markl se iria enfiar desta vez.

Li as três primeiras frases e fiquei logo mal disposta.

Markl abria as hostilidades com um aviso, dizendo que condena os terroristas e o Hamas, garantindo ao Instagram que não é anti-semita, mas sim anti-genocidas (o que quer que isso seja). Doze meses após 7 de Outubro de 2023, ainda precisamos rejeitar ao Satánas como salvo-conduto para criticar o governo de Netanyahu.

É ridículo tentar equilibrar a oposição às atrocidades de um regime sem querer ofender a sensibilidade desse mesmo regime. Dizer que se condena os terroristas do Hamas, do Hezbollah e que somos pela Paz e amor fraterno entre os povos tornou-se teatral - podemos dizer o que é necessário e justo, na condição que nos posicionemos naquela zona cinzenta do “uuiii é muita complicado”

Markl pariu uma posição híbrida, uma homenagem à neutralidade portuguesa, reconhecida em conflitos passados e agora misturada com orgulho nacional.

Mas facto é que depois de um ano de barbárie em directo, a maré está a mudar, as vozes que se mantiveram silenciosas com medo da própria sombra estão a fazer contas à vida e, espero, à sua consciência.

Foto do artigo “I saw a woman and her children in the fire and couldn’t help” do Middle East Eye em 14/10/2024.

Há uns dias foi o Trevor Noah.

O comediante, actor, autor, colunista, analista político, a viver em Los Angeles, baseia o seu trabalho na sua experiência pessoal do Apartheid em África do Sul, terra Natal de Noah. Apesar dos esforços sul-africanos para proteger a Palestina da opressão israelita no Tribunal de Haia desde dezembro de 2023, Trevor permaneceu em silêncio. Um silêncio que durou meses e foi quebrado numa entrevista a Ta-Nehisi Coates. No seu novo livro "The Message", Coates argumenta que a situação da ocupação israelita na Palestina não é tão complicada quanto a América parece sugerir, já que, como afro-americano é simples identificar um sistema de opressão, segregação e supremacia racial.

Coates questiona, diante das injustiças que viu na Palestina, se também ele se juntaria a um grupo de resistência como o Hamas, caso fosse palestiniano. Trevor Noah apoia a visão geral de Coates e aproveitando todo o criticismo em torno à publicação de um escritor prestigiado como Coates, Trevor, num golpe comunicativo, mostra ao seu público que sempre esteve do lado dos oprimidos; o seu silêncio era apenas um sintoma da sua profunda reflexão. Moralmente dúbio, mas com uma mensagem eficaz. Trevor entrou tarde e a más horas, mas está outra vez no ringue.     

Markl,  no seu pequeno universo ibérico, segue o mesmo caminho, mas não vai além da superfície, provavelmente por desconhecimento da matéria. Fala tarde, pouco, acenando num mísero parágrafo, aqui e ali, à injustiça da situação mas travando espessura e credibilidade com um "disclaimer”. Enfim, disse o irrelevante para evitar estar calado. 

Não é preciso repetir que criticar o governo de Israel não significa ser anti-semita. E quem ainda pensar assim, vá cagar!

Um dos seguidores no post de Markl comenta porque é que “só agora a malta está a tirar estas conclusões (…) isto é um conflito com mais de 70 anos.” Markl acusa o golpe e com um contra-ataque passivo/agressivo mete o seguidor no seu lugar: “louvo a clarividência de décadas, mas parece-me inútil; parece um pouco aquela malta que quando saiu o Out of Time dos REM e o Losing My Religion tocava nas rádios e era amado por toda a gente, dizia mas olhem que eu já sou fã desde o Murmur!” para logo depois oferecer um raminho de oliveira apelando à compreensão alheia “agora a sério (…) acho que nunca é tarde para protestar.” Amor, paz e gatinhos fofinhos…oooohhhh!

Numa coisa Markl está certo: nunca é tarde para protestar. Mas com quase 900k seguidores ser silencioso é defender o indefensável. E o Markl, como tantas outras celebridades, demorou 12 longos meses para sair da apatia moral e dar-nos NADA.

A coragem de tomar uma posição tem sido invisível, como as pessoas que a defendem. Pessoas com vidas normais e sem nada a perder. Aparentemente. 

Há amizades que ficaram pelo caminho, trabalho que se perdeu e, o pior de tudo, acusações de traição com insultos pelo meio - a malta invisível, sem nada a perder, tem visto de tudo.   

Mais adiante Markl diz ter ficado de coração partido quando Israel insultou e relegou António Guterres a “persona non grata”. O mesmo Secretário-Geral da ONU que Netanyahu não atende o telefone faz meses; o mesmo que lamenta a morte de 220 membros desde 7 de Outubro; o mesmo que assistiu à destruição da capacidade da ONU no território, culminando no ataque direto do IDF aos capacetes azuis no Líbano; o mesmo que já reuniu os diplomatas da ONU 47 vezes sem conseguir um cessar-fogo. Este banimento só surpreende quem não está atento. 

Todos pagamos um preço alto por falar e Guterres não é excepção. Perante as evidências as criticas são para ser feitas sem receio porque, depois de 45mil mortos,  o coração está irremediavelmente destroçado!

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